Os protegidos, por Mayana Zatz

Recentemente falei um pouco das nossas pesquisas no encontro que tivemos entre os pesquisadores do Centro do Genoma e pacientes com distrofias, humanos e caninos no GENOCÃO, na USP.

Contei dos nossos avanços com células-tronco, mas não de uma outra pesquisa também muito importante. Ela trata de cães muito especiais Ringo, Suflair e seus primos americanos que chamei de “os protegidos”. Esses nossos amigos caninos têm uma mutação que causa ausência de uma proteína muscular, a distrofina, que é essencial para a manutenção dos músculos. Sem ela eles degeneram e levam a uma fraqueza progressiva. Meninos que nascem sem distrofina no músculo – afetados pela distrofia de Duchenne ou DMD- vão perdendo as forças e aos 10-12 anos já não conseguem mais andar.

Cães sem distrofina são muito afetados

Cães que nascem com uma mutação que leva a ausência da distrofina, geralmente da raça golden retriever (GRMD) são clinicamente muito afetados. A maioria não chega aos dois anos de idade. Os que sobrevivem não conseguem correr, têm problemas para engolir e frequentemente comprometimento cardíaco também. Por isso tentativas terapêuticas com esses animais são tão importantes. Se conseguirmos bons resultados com eles, estaremos a um passo de iniciar pesquisas clínicas com seres humanos.

E aí descobre-se, por acaso um cão, Ringo que já tem mais de 7 anos, não tem distrofina no músculo e é praticamente normal. Aliás o seu maior defeito é ser um namorador. Não pode ver uma fêmea por perto. Escapar e pular o muro são seus passatempos prediletos e por causa disso já foi pai de cinco ninhadas. A maioria dos seus descendentes que nasceram com ausência de distrofina são gravemente afetados, mas um deles parece ter puxado ao pai: o Suflair que fez 4 anos em abril.

Ringo e Suflair quebraram um paradigma

Existem camundongos chamados de mdx, que também tem ausência de distrofina mas ao contrário dos humanos eles não tem fraqueza muscular. O que os protege? Ainda é uma incógnita mas uma das hipóteses era o seu tamanho diminuto . Não se comparam com o tamanho de um ser humano ou de um cão. Mas Ringo e Suflair demonstraram pela primeira vez que tamanho pode não ser documento . Apesar de terem um porte grande, seus músculos são funcionais mesmo sem terem nenhuma distrofina.

Eles não são os únicos

Depois de conhecer Ringo, uma importante pesquisadora americana, Diane Shelton, descobriu esse ano que alguns cães labradores que também nasceram sem distrofina são totalmente normais. O interessante foi como ela os descobriu já que são cães assintomáticos. Outra obra do acaso. Um deles foi submetido a uma vasectomia e ao fazer os exames de rotina a Dra. Diane descobriu que uma enzima (cuja sigla é CPK) estava muito aumentada no sangue.

Como essa enzima está também muito alterada em pacientes com DMD ela resolveu estudar
o músculo desse cão. Descobriu então que ele não tinha distrofina no músculo e que nove de seus parentes caninos tinham a mesma característica. Foi um golpe de sorte. Cães com essa característica dificilmente seriam descobertos já que são clinicamente normais. Mas eles comprovam o que Ringo e Suflair já haviam demonstrado: é possível ter um músculo funcional, sem distrofina. A próxima questão é como?

Pesquisar esses cães já virou um caso internacional

Natassia Vieira que está terminando seu doutorado sob a minha orientação no Centro do Genoma começou sua pesquisa comparando Ringo e Suflair com cães muito afetados e cães normais aparentados aos “protegidos”. Conseguir amostras de músculos dos cães normais não foi uma tarefa fácil. Juntamente com as duas veterinárias responsáveis pelo GENOCÃO, Vivian Landini e Thaís Andrade percorreu o Brasil atrás dos parentes de Ringo que haviam sido adotados. Valeu a pena. A pesquisa, realizada em colaboração com o grupo do Dr. Sergio Verjovski-Almeida revelou genes diferentes, um em particular em Ringo e Suflair. Será que é esse gene que os protege?

Quais são os próximos passos?

Em primeiro lugar vamos comparar Ringo e Suflair com seus primos labradores americanos. A Dra. Diane Shelton já nos mandou as amostras de nove cães. Além disso, Natassia já está estudando esse mesmo gene em outro vertebrado: um peixe chamado zebrafish em uma outra colaboração internacional. Dessa vez, com o famoso Dr. Louis Kunkel, em Harvard. O Dr. Kunkel foi o descobridor do gene da distrofina. Os peixinhos que nascem sem distrofina morrem em poucos dias. Por isso uma estratégia é manipular esse gene nesses peixinhos. Se eles sobreviverem teremos mais uma prova importante.

A ansiedade dos pacientes e dos cientistas é enorme

Os pacientes sempre acham que as pesquisas estão indo muito devagar. Os cientistas também acham. A nossa ansiedade em descobrir alguma terapia efetiva é gigantesca. Aliás, é isso que nos move. Além das pesquisas com células-tronco, que continuam, descobrir o segredo dos nossos “protegidos” poderá ser outro caminho fundamental para tratar as distrofias. Nesse caso, o tempo foi nosso amigo. Tivemos que esperar 7 anos para nos assegurar que Ringo continua bem e cada ano que passa nos traz mais certeza …. Isso convenceu o mundo científico acerca da importância dessa pesquisa. A curiosidade para entender o que protege esses cães da degeneração e fraqueza muscular atravessou fronteiras e tornou-se internacional. Vamos unir esforços e a ciência agradece.

Fonte: veja.abril.com.br/blog/genetica

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4 Responses

  1. Zayb disse:

    Porque será que as coisas demoram taaaaaannnto…. Alguém poderia informar o que ocorre na cidade de Beiker na China? Parece que lá eles já injetam céluas tronco em distróficos… alguém sabe dos resultados?
    Desculpem… mas perdi mamãe com distrofia e tenho uma irmã e um irmão com o mesmo problema… as coisas poderiam ser mais rápidas… oque será que acontece nos bastidores da ciência?…

  2. Estevão Augusto disse:

    também queria saber o porquê.
    esse da china não tem comprovação .
    abraço .

  3. Janiel Alves Palmeira disse:

    Olá !!! Tenho 50 anos e porto segundo os médicos distrofia muscular progressiva,ja uso cadeira de rodas,e sinto muitas dores, nao faço exatamente nada para tentar reverter o quadro distrófico ,e também não sei qual o tipo de distrofia que porto,seria o caso de me submeter a um exame minucioso para que se saiba que tipo de distrofia que eu porto, e quem sabe através desses exames descobrir algo diferente, que possa ajudar em tratamentos futuros para outros pacientes portadores de distrofia?

    Obrigado e fico aguardando, comentários

  4. Estevão Augusto disse:

    olá .
    sim , creio que seria importante fazer esse exame , o qual pode ser realizado pelo http://genoma.ib.usp.br/
    conheça também a http://www.oapd.org.br/
    abraço .

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