A história de uma pesquisa salva
http://veja.abril.com.br/blog/genetica/176388_comentario.shtml
Quarta-feira, 24 de Junho de 2009
Por Mayana Zatz
Isso aconteceu no último fim de semana. E a pesquisa só foi salva graças ao apoio do diretor da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, professor José Antonio Visintin, que entendeu o meu desespero ao tomar conhecimento que a nossa pesquisa corria o risco de ser interrompida, com prejuízos irreparáveis. Tínhamos que injetar células-tronco em cães que têm distrofia muscular e não tínhamos acesso a eles.
Que pesquisa é essa?
Trabalho há muitos anos com doenças neuromusculares. Essas doenças atingem uma em cada 1000 pessoas, ou seja, cerca de 200.000 brasileiros. Dentre elas, uma das mais graves é a chamada distrofia muscular de Duchenne (DMD) que só atinge meninos. Eles têm uma mutação em um gene e não produzem uma proteína que é essencial para o músculo: a distrofina. Sem a distrofina, o músculo vai degenerando, o que provoca fraqueza progressiva. Ao redor dos 10 anos eles perdem a capacidade para andar e a doença continua avançando. O nosso grupo, no centro de estudos do genoma humano tem pesquisado o potencial de células-tronco de diferentes origens (cordão umbilical, tecido adiposo, polpa dentária entre outros) para formar músculos. Se conseguirmos, teremos um tratamento para essas doenças, um sonho que persigo há décadas.
Existem cães com essa patologia
São da raça Golden retriever. O pesquisador americano Joe Kornegay descobriu há alguns anos que existiam cães dessa raça com essa mesma doença. Eles também não têm a distrofina no músculo e apresentam uma fraqueza progressiva. São chamados de GRMD (golden retriever muscular dystrophy). Se conseguirmos tratar esses cães, estaremos a um passo do tratamento humano. E isso nos motivou a ampliar nossas pesquisas que até então eram realizadas só em camundongos. Começamos a injetar células-tronco nos cães e observar se eles conseguem recuperar os músculos. Não é uma pesquisa fácil. As injeções têm que ser feitas mensalmente com um controle rigoroso.
O canil da escola de Veterinária da USP
Os cães estavam em um canil da escola de Veterinária da USP. Era lá que estávamos injetando as células-tronco, uma vez por mês, desde outubro de 2008. Com o tempo, começaram a surgir várias dificuldades até chegarmos a um ponto insustentável. Decidi que eu precisava retirar os animais de lá e comuniquei isso à professora responsável pelo canil. No último fim de semana, tínhamos que injetar células-tronco nos cães.
Descobrimos, no sábado, que o canil estava com cadeado novo. A pessoa responsável havia viajado. Tentamos contato, o que foi impossível. Pedimos ao tratador que nos abrisse a porta do canil, o que foi negado.Não adiantou argumentar que eu era a responsável pela pesquisa e precisava dos animais. Então pedi autorização ao diretor da Veterinária para serrar o cadeado e retirar os cães do local. Era o único jeito de salvar o experimento. Meu pedido foi atendido e em nome de todos os pacientes agradeço novamente o apoio do professor Visintin.
Nossos fiéis colaboradores vão ganhar uma casa nova
A boa notícia é que nossos amigos caninos vão ganhar um espaço novo na USP. Com isso também espero concretizar um sonho que venho acalentando há alguns anos com os irmãos sadios desses animais afetados pela doença. Um trabalho realizado na Nova Zelândia mostrou que esses cães, da raça Golden retriever, são ideais para cumprir uma missão muito importante: treinar pessoas em cadeira de rodas. Além da nossa pesquisa, que poderá se transformar em futuros tratamentos, esses nossos amigos poderão tornar-se grandes companheiros de pessoas com necessidades especiais.
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