STF assiste a disputa ideológica pela "vida" em audiência pública

21/04/2007 – 09h40
STF assiste a disputa ideológica pela “vida” em audiência pública
LAURA CAPRIGLIONE
enviada especial a Brasília da Folha de S.Paulo

Trinta e quatro cientistas pró e contra pesquisas usando células-tronco embrionárias humanas se enfrentaram ontem diante de ministros togados do Supremo Tribunal Federal, em Brasília. Longe de seus laboratórios, os pesquisadores deram um lustro no didatismo para fazer os magistrados entenderem suas respostas à pergunta: “Quando começa a vida?”

O propósito do questionamento espinhoso (que já foi feito por Santo Agostinho, no século 5º) é ajudar os ministros do STF a decidir sobre a constitucionalidade da Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, que autoriza a pesquisa com células-tronco extraídas de embriões produzidos in vitro para fins de reprodução assistida.

Células-tronco embrionárias são capazes de se diferenciar em qualquer tecido no corpo, sendo portanto uma aposta da medicina no tratamento de várias doenças hoje incuráveis. Para serem obtidas, elas requerem a destruição de embriões com poucos dias de existência.

A lei permite o uso de embriões inviáveis para gestação ou que estejam congelados há mais de três anos.

O subprocurador Claudio Fonteles, autor do questionamento e homem de confiança da Igreja Católica, diz que não se pode permitir que embriões sejam usados na pesquisa. Ele cita o artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito à vida. Para Fonteles, se a vida começa na fecundação, a pesquisa com embriões é inconstitucional, porque os destrói.

A primeira audiência pública da história do STF acabou virando um intensivão de biologia, em que se enfrentaram currículos científicos vistosos. Um dos oradores foi Julio Voltarelli, da USP de Ribeirão Preto, festejado por ter conseguido livrar das injeções de insulina pacientes diabéticos. Voltarelli –que células-tronco adultas em pesquisas– foi depor favoravelmente ao uso de embriões.

A pró-reitora de Pesquisa da USP, Mayana Zatz, apresentou em telão imagens de pacientes de doenças degenerativas, muitos deles crianças com prognósticos de dor e sofrimento.

O mesmo recurso foi usado pelo próprio Voltarelli, que, ao concluir sua intervenção, mostrou foto com seus pacientes: “Vocês discutirão à exaustão o que é vida. Eu garanto a vocês que esses pacientes são vivos.”

“Por que preservar um embrião congelado e sem viabilidade, mesmo sabendo que a probabilidade de ele gerar um ser humano é praticamente zero?”, perguntou Zatz.

Mas o que são embriões inviáveis? Patrícia Pranke, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mostrou fotos de embriões chamados de tipo A, B, C e D, segundo critérios usados pelas clínicas de reprodução assistida.

Pranke afirmou que embriões de tipo D são aqueles com alto grau de fragmentação. Raramente são implantados no útero, pois têm pouca chance de gerar gestação. “Quando frescos, só 6% desses embriões fixam-se no útero. Se congelados, as chances caem a 0,8%.”

Segundo a cientista, embriões C e D apresentam alta incidência de malformação fetal. “Esses embriões acabam sendo descartados. Por que não usá-los na pesquisa?”

Do lado dos adversários da pesquisa com células-tronco embrionárias, Lenise Garcia, professora da Universidade de Brasília, defendeu que a vida começa na fecundação.

“Veja uma borboleta. Lagarta e borboleta não se parecem, mas são o mesmo indivíduo em fases diferentes da vida. O Ibama protege o ovo da tartaruga porque sabe que ali está uma tartaruguinha. O embrião é um ser humano em potencial, mas um ser humano em uma fase específica da vida”, disse.

Segundo Elizabeth Kipman Cerqueira, coordenadora do Centro de Bioética do Hospital São Francisco, de Jacareí (SP), o fato de o embrião ter uma fração do diâmetro do buraco de uma agulha de injeção não é argumento. “O ser humano não se define pelo tamanho nem pela aparência, mas pelas potencialidades. No instante em que o espermatozóide encontra o óvulo, ele tem potencial para desenvolver um indivíduo completo. É esse desenvolvimento que os feticidas [assassinos de fetos] pretendem interromper.”

Alice Teixeira Ferreira, da USP, defendeu uma pesquisa intensiva de células-tronco adultas, como alternativa às embrionárias. Foi secundada por Marcelo Mazzetti, da mesma universidade, para quem a pesquisa com células-tronco adultas já resultou em 72 terapias eficientes.

“O placar está 72 a zero para as células adultas. Por que insistir em um procedimento que mata embriões?”

O relator da ação no STF, ministro Ayres Britto, vai apresentar um relatório sobre a aduência para outros ministros do STF em junho. O julgamento ainda não tem data marcada.

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